domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ser ou ser

     Deitado na escuridão, tento lembrar quando foi que esse veneno me foi inoculado... Tolice minha, pois, a julgar por esse sufoco que não para de crescer, ele só vem se saturando em meu sangue, e não é de hoje.

     Ainda consigo me lembrar daquela "pureza" que assolava meu ser recentemente ("pureza" essa que a sociedade acha tão digna e que, a meu ver, é tão destrutiva): estava tomado pela razão. A tal "pureza" se perdeu quando você apareceu. Foi incrível a forma como você me fez acreditar que era uma cura para as minhas cicatrizes, como meu instinto gritou seu nome e como você apaziguou meus sentimentos. Em outras palavras, tudo me levava à você. Precisava arriscar te ter. Foi o que fiz e também foi o que me mostrou essa frustração venenosa.

     Sentei-me numa tentativa de achar o ar que me era pouco - Acho que foi masoquismo meu porque respirar tem doído muito ultimamente. Por um momento, deu certo, mas senti ainda mais intensamente aquela sensação de respirar navalhas e expirar sangue - Estava cansado de estragar tudo por simplesmente querer. Os cortes se multiplicavam à medida que as memórias frustradas vinham à minha cabeça e, junto com eles, voltara minha falta de ar. Logo essa escassez se tornou em um soluço acompanhado de lágrimas, lágrimas que escorriam como lâminas. Sinceramente, gosto do choro: pelo menos ele corta de uma vez.

     Quis desistir, mas simplesmente sou muito orgulhoso para isso, então fiquei ali me cortando até as lâminas cessarem. Todo mutilado, me levantei. Dei-me conta de que não podia deixar aquele veneno me consumir sem ao menos lutar. Chegando ao campo de batalha, senti que estava usando espada e escudo feitos de papelão enquanto todos usavam lanças e armaduras. Senti medo e recuei - maldito seja esse sentimento e maldito seja meu pensamento de que não era possível ganhar essa luta. Pensei novamente em desistir, mas nesse instante pude ouvir o eco do meu instinto de sobrevivência. Agarrei-me a ele e finalmente tive um pouco de coragem e esperança.

    Observei o campo de batalha e logo me veio um pensamento à cabeça - É incrível a forma com que criamos e destruímos, com que incentivamos e reprimimos, com que vemos e cegamos, não é mesmo? Quero dizer, tudo que cria pode destruir, tudo que dá vida pode matar, tudo que envenena pode curar etc.

     Encontrei meu foco: faria do seu veneno a minha cura. Obviamente, esta ideia enlouqueceu meu raciocínio, afinal cresci em uma sociedade que vive tentando matar a parte "animal" de nós humanos e deixar somente a parte "racional" (numa tentativa de nos adestrar, criaram o céu e o inferno - entre outras infinitas coisas - como se estes fossem uma espécie de recompensa ou castigo por não nos entregarmos aos nossos instintos e agirmos de uma forma mais racional), mas acho que no fundo nunca gostei muito da sociedade. Decidi então me entregar ao instinto e pensar menos: por muitas vezes essa é nossa única chance de sobreviver.

     Foi então que todos aqueles cortes passaram a fazer sentido porque foram eles que me mostraram que às vezes devo ser mais animal do que racional e que precisamos da luta. Encontrei minha selvageria e, numa mistura de sentimento, razão e instinto, percebi:
     -  Sou forte por instinto.

3 comentários:

  1. Adorei, Caio. Você, surpreendendo como sempre. Pude imaginar o sentimento e sofrimento do personagem aqui, comigo, ainda mais nesses tempos sensíveis que tenho tido, haha.
    “Foi incrível a forma como você me fez acreditar que era uma cura para as minhas cicatrizes, como meu instinto gritou seu nome e como você apaziguou meus sentimentos.” Adorei, principalmente, essa parte. Continua, por favor, pois eu adoro te ler.

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  2. Olá Caio, tudo bem com você?

    Estava visitando "twitters" alheios, até que encontrei o seu. Pode parecer estranho, mas tenho a impressão que te conheço só de vista, por causa de um certo cursinho que fazia ano passado... É você mesmo?

    De qualquer modo, você escreve muito bem, no twitter e aqui. ;)

    @readingalone

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  3. Minha conta é privada e os tweets de resposta não aparecem.

    Ah, não precisa agradecer os elogios! Hahaha eu era de humanas, também fazia o especial aos sábados... Mas "visitava" a sala 1 para as aulas da Lu e do Daily.

    Bem, no último dia de aula, no dia do "grande discurso", acho que era você mesmo. Eu sentei na terceira fileira e acho que você estava atrás de mim!

    Eu, como toda reprovada e teimosa, estarei lá mais um ano!

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